terça-feira, 15 de agosto de 2017

Sentença de Moro contra Lula não traz provas, afirma professora de Direito da UFRJ

Essa afirmação de uma pessoa qualificada se soma a muitas outras de juristas conceituados
Sérgio Moro, juiz federal e Carol Proner, professora de Direito da UFRJ

"Todos já sabíamos que a sentença viria e que seria condenatória. E é uma pena que todos nós já imaginávamos a sentença anunciada, porque não deveria ser assim no Poder Judiciário, em um julgamento. Nós deveríamos ser surpreendidos pelo resultado final, afinal de contas havia, em tese, o contraditório", diz Carol Proner.

A crítica

É constrangedor para qualquer pessoa da área do Direito comentar e criticar uma sentença com argumentos duros, como, de certa forma, são feitos no livro. Ninguém fica confortável. Acredito que nenhum professor na área de Direito Público, Direito Constitucional, Direito Penal e Processo Penal, Direitos Humanos se sinta feliz com um livro como esse. Não é um livro que nos traz alegria. É um livro que nos traz preocupação, ninguém aqui está comemorando nada. Nós estamos preocupados, como é que pudemos chegar a esse ponto?

Nesse caso, um juiz monocrático. 20% da sentença, praticamente, é a defesa do juiz das acusações de todos os réus a respeito da sua conduta como juiz imparcial, ou que deveria ser imparcial, na utilização das provas, da produção das provas, ou no cerceamento de defesa do réus ou dos réus e dos advogados. Então, é uma sentença inédita, inclusive, nesse aspecto. A impressão que dá pra um leigo que está lendo a sentença, e eu tenho alguns amigos que são de outras áreas – das artes, da literatura, de outras áreas – que dizem: “que curioso, um juiz que passa tantos itens, quase 150, buscando defender-se”. Às vezes, a impressão que dá é que o juiz é um acusador. Durante os depoimentos, a coleta dos depoimentos, inclusive do presidente Lula, isso ficou claro, parecia que ele era um acusador, se misturava com a função do Ministério Público, o acusador do processo, e às vezes, durante a sentença, parece que ele é o réu, o réu de acusações. Então, isso é muito inusual. Nós vivemos uma situação em que o judiciário, no caso, é diferente, digamos, é absolutamente inusual a conduta do magistrado, dentro dos autos, na sentença, pronunciando-se publicamente, tentando fazer uso da imagem conquistada como um combatente da corrupção, o que não seria mau, mas utilizando isso buscando apoio na opinião pública. Então, nós vivemos realmente uma situação em que, no mínimo, causa estranhamento no campo jurídico essa conduta desse magistrado curitibano.

Moro aos olhos do mundo

Temos duas coisas aí: uma, do ponto de vista jurídico, e nós temos três artigos dentro do livro, que falam do aspecto internacional. É plasmado, é consolidado na jurisprudência internacional, nas sentenças das cortes, tanto da Corte Interamericana, que tem ampla jurisprudência defendendo o devido processo legal, que é uma espécie de guarda-chuva, dentro dele cabem vários outros princípios, é a base do direito à defesa de qualquer pessoa que esteja acusada de qualquer crime e, principalmente, em situações relacionadas a direitos individuais, direitos humanos. É também jurisprudência da corte europeia, enfim, isso é uma conquista civilizatória do Direito em todas as ordens jurídicas que se dizem democráticas. Então, o devido processo legal é uma das acusações que nós temos reiteradamente colocado como em perigo por essa sentença e não só pela sentença, mas pela forma do julgado, pelo processo como um todo, incluindo a produção de provas, a forma da ouvida das testemunhas, ignorando testemunhas de defesa durante a pronúncia da sentença. Ou seja, por vários aspectos.

Por outro lado, o aspecto que é indissociado do processo, que é a figura do réu. É impossível separar quem é o réu do processo, ainda que haja necessidade de distância por parte do juiz natural, vamos dizer, do juiz que se coloca como independente de quem é o réu e daquilo que ele representa, mas isso é indissociado, é impossível separar e ele próprio, o magistrado, não o faz, não separa. Em vários momentos da sentença, e isso fica claro, aparece a correlação do réu que era presidente da República, do réu que é uma figura política e que tem uma biografia ligada ao país, então, essa conexão política e biográfica do réu afeta a visão do magistrado e isso está claro tanto na sentença quanto – muito mais claro ainda – durante o processo, na acolhida das testemunhas e da chamada delação premiada e também a conduta pessoal do magistrado nas fotografias, nos atos sociais, nessa visibilidade inadequada, indevida, que é estranha ao código de ética da magistratura, por exemplo, totalmente inusual, inadequado.

Então, claro que isso choca no plano internacional, choca o campo jurídico internacional. Nós fizemos um livro que comentava o impeachment e esses juristas, também 100 pessoas das áreas jurídica, ciência política, sociologia, filosofia, antropologia, artes, que olharam para o Brasil para ver o que estava acontecendo, não apenas esse momento da Lava-Jato, mas também conectando com o momento político da crise institucional e política do ano passado, do fim do impeachment, que, pra mim, é claríssimo, um impeachment sem crime, a forma como ele aconteceu. Então, esses juristas já se manifestaram. Alguns vieram ao Brasil, inclusive, no Tribunal pela Democracia, cuja vítima era a democracia e fizeram seu julgamento sobre o processo vivido pelo Brasil. E, novamente, em alguns artigos, nós temos artigos de juristas de fora escrevendo no livro, embora esse não fosse nosso foco, nós queríamos aqui gente que conhece a legislação brasileira e pessoas aqui de dentro.

Mesmo assim, nós vimos os jornais demonstrando que estão enxergando claramente a conexão persecutória que há nesse processo, um processo carente de provas é um processo sem provas. Então, não tem prova de corrupção e, por consequência, não há prova de lavagem de dinheiro, nesse caso, aquilo que poderia ser constitutivo do segundo crime acusado. Aí entra nos detalhes que nós já estamos cansados de debater, a questão do triplex não ter a materialidade do crime, não é dele o apartamento, ele não dispõe desse bem, não pode vender o bem, se ele quisesse. Enfim, é uma situação muito constrangedora, como eu dizia, e que está sendo percebida claramente no plano internacional. Os principais jornais têm identificado isso. Do El País até outros jornais da Alemanha, isso tem acontecido.

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